A VIDA NADA MAIS É DO QUE UMA PREPARAÇÃO PARA A MORTE

Dizem que ao envelhecer vamos ficando mais sábios, pois acumulamos muitas experiências ao longo do tempo e deveríamos servir de exemplo às novas gerações.

No entanto, nem todo velhinho tem esse dom da sabedoria e isso é bem triste.

Minha vó é um exemplo dessas idosas não-sábias. Uma pessoa extremamente carismática com quem é de fora, egoísta e, ouso dizer, malvada com os que são de dentro.

Quando pequena ela fazia questão de jogar as netas uma contra a outra num jogo de predileção desnecessário. E agora na vida adulta vi cenas de crueldade quando ela armava a rede maligna e arremessava em suas próprias filhas. Quantas vezes tive que ajudar a Lila se recuperar de ataques sofridos de choro.

Há décadas as irmãs se revezam num plantão infinito de “dormidas na vó” pra que ela não ficasse sozinha.  Quantos passeios, viagens, leituras, noites bem dormidas, horas de sossego, refeições com calma... deixaram de ser aproveitados.

Desde sempre ouço histórias divertidas e folclóricas dela e sobre ela o que faz de Ema pra mim uma pessoa exótica, mas não digna daquele carinho aconchegante que uma neta deveria sentir por uma avó. Tenho respeito, mas não amor.

Uma língua afiada pra dizer quem é gorda, quem é bocuda, quem é preto, quem é pobre. Sim, uma pessoa extremamente preconceituosa.

Desde o começo do ano não está muito bem de saúde. 97 anos. Bom raciocínio, reflexos rápidos, mas os órgãos começaram falhar depois que uma terrível bactéria se instalou. (Eita ano que os bichinhos minúsculos estão fazendo estragos.)

Conseguiu ser egoísta até na enfermidade. “Escolheu” ficar doente no único período que ninguém deveria se expor. Por causa dela colocaram-se em risco as 4 filhas e metade dos netos, eu incluída aí.

Mesmo no hospital manteve a lucidez e a língua afiada. Arranjou tempo pra falar mal dos bisnetos, pra causar encrenca entre médicos e enfermeiros.

Não pretendo viver tanto e estou trabalhando com afinco pra que isso não aconteça, mas se por acaso a longevidade estiver no DNA vou me esforçar pra não ser tão mimada nem egoísta.

Sim, acho que colocar velhinhos em asilo é prova de amor para todas as pessoas da família. Sobra tempo pra amar.

A minha família que estava brigada fez trégua para cuidar da matriarca, mas não há amor que resista a tanta tormenta. Todas as relações já estão estremecidas de novo. Ela será egoísta até o fim.  

Vaso ruim não quebra, diz o ditado. Se superar essa fase sei que passará dos 100. Só lamento que com tanta tensão e risco alguns de nós poderão ficar pelo caminho. Para que os danos sejam menores tenho na mente o mesmo pedido há décadas. Não me sinto nada bem, mas o sentimento é verdadeiro. É a única forma de voltarmos a viver.

Neste dia de celebração de bodas de casamento o vô Mario bem que podia dar uma força e levá-la para o além para tomarem um whisky divino.

Mas se for pra sacrificar alguém que não sejamos eu nem Lila. Tem gente que deve eliminar mais carma com ela do que a gente.
P.S. Sim, me sinto horrorosa escrevendo esse texto, mas precisava exorcizar sentimentos.