evão do caminhão

nos momentos cruciais... estacione seus neurônios e acelere seus hormônios

quinta-feira, outubro 15, 2020

Tá ruim, mas tá bom.

 Não me venha desejar feliz dia dos professores porque o dia de hoje poderá ser tudo menos feliz.

Em vez de vir com presentinho e palavras hipócritas, respeite a essência da minha função.
Valorize meu tempo, meu estudo, meu trabalho e minha inteligência.
Também não proponha a célebre frase “se não está feliz mude de profissão” porque eu já troquei. Eu sigo amando a profissão que escolhi exercer, mas não me conformo com o que ela se tornou. Ela não existe mais.
Somos cuidadoras do vazio. Dialogamos com o enorme buraco negro da ignorância.
Educação infantil? Pra quê? “Professoras babás. Crianças não aprendem nada mesmo, bora tirar da escola”, dizem as famílias.
Ensino Fundamental? Pra quê? “Estamos longe. Podemos fazer de qualquer jeito ou não fazer nada, pois não seremos responsabilizados”, acreditam os alunos em ano sabático. “E ainda pode ser malcriado”, estimulam os (ir)responsáveis.
Ensino médio e superior? Pra quê? “Bora ficar de pijama brincando de tiktok enquanto os professores se acabam tentando um contato imediato de zero grau. Bom mesmo é ser influencer de merda nenhuma. Vamos ganhar mais grana e popularidade do que esses otários”, pensam os xovens.
Formação de professores? Pra quê? Basta ter deus no coração. Ele provém tudo. A ciência não tá com nada.
Contratos estabelecidos e salário? Pra quê? O que vale são almas caridosas e voluntariado.
O RUIM TÁ BOM. Acho que esse é o ponto.
Recebo lição de qualquer jeito? Tá ruim, mas tá bom.
Tenho colegas semialfabetizadas? Tá ruim, mas tá bom.
Preciso trabalhar na hora que bem desejarem? Tá ruim, mas tá bom.
Levo bronca sem merecer e tenho que ficar quieta? Tá ruim, mas tá bom.
Preciso exercer tarefa que não me compete? Tá ruim, mas tá bom.
Sim, me tornei uma professora ruim, obrigada.
Sim, me tornei uma professora doente. No físico, mas principalmente na alma.
Estou reclamando demais? Sim. Querer debater ideias em tempos de apoio à ditadura é impensável.
Escrever é a única forma que tenho para não explodir. Aproveitarei enquanto houver teclas (algumas já não voltam depois da digitação), mãos (sabe-se lá quantos nódulos novos apareceram) e o mínimo de sanidade mental (essa está por um triz).
Então não me venha desejar um feliz dia hoje. Ele será tudo menos isso...